Por que escrever um livro de filosofia em torno da Legião Urbana? É apenas uma banda de rock, diriam alguns, com letras e arranjos simples, como tantas outras que surgiram no cenário brasileiro dos anos 80. Nada mais injusto. A aparente simplicidade da obra da Legião Urbana esconde diversas matizes e nuances. Enquanto os outros grupos da época se revezavam entre canções românticas ou canções de revolta, Renato Russo e sua trupe criavam sons híbridos poderosos, capazes de reunir na mesma levada, versos de amor e de protesto (como na música “Índios” de 1986). Isso foi um das marcas da originalidade da Legião, capaz de, em um mesmo gesto musical, conectar o universal com o particular; o coletivo com o individual; o político com o afetivo; instâncias essas que a história do ocidente sempre insistiu em separar (vide a tragédia grega antiga Antígona ou os dramas modernos de Shakespeare).
Nesse sentido o livro Canção, Estética e Política -- Ensaios Legionários de Marcos Carvalho Lopes deve ser saudado como um importante acontecimento literário e cultural. Em primeiro lugar, porque em uma época de muitas homenagens a Legião, na forma de biografias, filmes e shows, faltava um livro que ousasse dialogar com a densidade do trabalho de Renato Russo e parceiros. Em segundo lugar porque representa mais um importante avanço para a filosofia universitária brasileira, que ainda teima em fixar seus olhos na cultura europeia e a ignorar o que se passa a sua volta. Precisamos urgentemente, cada vez mais, de mais e melhores livros que se proponham a pensar filosoficamente nossa própria cultura, nos seus fundamentos estéticos e políticos.
Os Ensaios Legionários propõem diversas chaves de compreensão das canções da Legião, percorrendo temas tão diversos, como complexos, tais como o tempo, o cotidiano, o amor, a existência, a sociedade de consumo, a solidão, os rumos do país, os impasses da arte, etc. Essas chaves de leitura não pretendem ser definitivas, nem esgotar o sentido das canções, ao contrário, elas servem muito mais para desvelar outras e variadas portas, que ainda precisarão ser abertas e exploradas. Se a música da Legião nos impelia a dançar, a cantar e a pensar, o leitura do livro de Marcos Carvalho Lopes nos convida a escutar novamente essas canções com olhos e ouvidos renovados.