A fórmula do punk da Legião Urbana

Há pouco encontrei em um CD de back up alguns dos arquivos de textos em que começava a projetar os "ensaios legionários". Este texto tentava uma explicação da diferença do punk da Legião Urbana a partir de uma interpretação da canção Marcianos Invadem a Terra. Este deve ser de 2002 ou algo próximo, então não havia muito da informação hoje disponível. Espero que ele ainda faça sentido. Alguns de meus antigos alunos talvez ainda tenham algumas folhas xerocadas com alguns destes textos que serviam para catequese, que dizer, aulas. É que como sempre dividia em duas colunas para colocar a letra e o texto de comentário a estética da coisa era parecida com aqueles folhetos litúrgicos. Neste caso, o texto foi preparado para um pequeno curso sobre a Legião... 

Como um dos primeiros esboços o textos contém alguns problemas: uma terminologia que não usaria, ideias que poderiam ser explicadas de modo mais demorado, alusões a outras partes do projeto, uma avaliação extremamente caricatural (e infeliz, porque parcial) de Caetano contaminada pela narativa de Ricardo Alexandre que o toma como uma espécie de "vilão" etc. As imagens de David Bowie no livro talvez se expliquem melhor aqui. Existe mais coisas nestes baú, aos poucos avalio o que pode ser interessante para postar aqui. Inté!


Marcianos Invadem a Terra 

(Renato Russo)

Diga adeus e atravesse a rua
Voamos alto depois das duas
Mas as cervejas acabaram e os cigarros também
Cuidado com a coisa coisando por aí
A coisa coisa sempre e também coisa por aqui
Sequestra o seu resgate, envenena a sua atenção
É verbo e substantivo/adjetivo e palavrão
E o carinha do rádio não quer calar a boca
E quer o meu dinheiro e as minhas opiniões
Ora, se você quiser se divertir
Invente suas próprias canções
Será que existe vida em Marte?
Janelas de hotéis
Garagens vazias
Fronteiras
Granadas
Lençóis
E existem muitos formatos
Que só têm verniz e não tem invenção
E tudo aquilo contra o que sempre lutam
É exatamente tudo aquilo o que eles são
Marcianos invadem a Terra
Estão inflando o meu ego com ar
E quando acho que estou quase chegando
Tenho que dobrar mais uma esquina
E mesmo se eu tiver a minha liberdade
Não tenho tanto tempo assim
E mesmo se eu tiver a minha liberdade:
Será que existe vida em Marte?

Os Marcianos e a música alienígena


A fórmula do punk da Legião Urbana é sintetizada na canção Marcianos Invadem a Terra. Ela foi gravada originalmente dentro do projeto do segundo disco da Legião (Dois), mas apareceu no álbum Uma Outra Estação, lançado após a morte de Renato Russo com as “sobras” dos trabalhos anteriores.
O punk surgiu, em certo sentido, como resposta ao glamour rock no qual os astros se apresentavam como atores, elementos andróginos camaleônicos, cheios de conceitos e teatralização. A ideia era a de “confundir e entreter a platéia”[1], nesse caminho David Bowie multiplicava suas faces e personagens, afirmava (incorporando uma de suas mutações ) que “as pessoas precisavam desesperadamente de alguém para dirigi-las, ordená-las, façam isso, não façam aquilo. O mundo precisa de um novo Grande Ditador”.
É citando e distanciando-se dessa posição que em Marcianos podemos desvelar o principio punk da Legião. A letra cita Life on Mars? de Bowie (Será que existe vida em Marte? ), na fase em que ele inventou Ziggy  Stardust vocalista do The spiders from Mars. O próprio Bowie seria um alienígena representado a dura tarefa de tentar fazer sucesso na vida musical/social.[2]
Alguns apontam David Bowie como um precursor do punk, quando inventa personagens e promove certa mistura de realidade e ficção, o que seria uma característica deste “gênero” (Renato Russo também era “um personagem” ). Por outro lado, a ambiguidade de seu trabalho abre espaço para que este se torne indefinível, como uma “coisa coisando por aí” que pode ser “verbo substantivo/adjetivo e palavrão “ ao gosto do freguês. Diante da imposição da mídia, da indústria cultural, de uma música cada vez mais inacessível/difícil é que se lança o lema “se você quiser se divertir invente suas próprias canções”.
É o “faça você mesmo” (do-it-yourself ), o mais importante é a criatividade, o fato de que cada um[3]  pode fazer seu som. A dimensão cínica da indústria cultural é apontada com os versos[4]: “existem muitos formatos/ que só tem verniz e não tem invenção/ e tudo aquilo contra o que sempre lutam/ é exatamente tudo aquilo o que eles são.”
É necessário escolher um caminho mais simples onde exista liberdade. É preciso também de intensidade diante do no future[5], que toma um sentido existencial - “não tenho tanto tempo assim”. Perguntar “Será que existe vida em Marte?” é também acenar: não é preciso ser marciano para fazer música.
A violência do punk original se encontra superada ou amenizada na interpretação da Legião. O fato desta canção ser apresentada de forma acústica já mostra essa transformação. A ênfase é dada à criatividade e valorização do simples. O no future perde sua dimensão social e ganha um sentido existencialista/individual. Ainda assim, não se resolve o problema de contraditoriamente atacar e ser indústria de massa. Isto é parte do teorema.     


 

Patrulha Odara e os “marcianos” tupiniquins

O discurso de Renato sobre David Bowie faz sentido no Brasil? A resposta parece ser positiva quando lembramos que na década de 70 o Brasil teve Secos & Molhados que apresentavam a dimensão teatral e andrógina que continua presente na figura de pavão misterioso de Ney Matogrosso. O domínio dos tropicalistas, regressos do exílio, dentro do cenário cultural continha algo também de glamour como nessas declarações de Caetano no início dos anos 80:
 “Nos os músicos somos sagrados. Eu sou sagrado, o Gil é sagrado, o Milton é sagrado, o Chico Buarque é sagrado. Nós somos sagrados. Falando por mim, devo dizer que eu, Caetano Veloso, sou um homem puro.”
“Não estou aqui para ser questionado, eu sou como a Rachel Welch, quero mostrar só a beleza da minha música, como vocês só mostrariam a beleza dela. Fora daqui, antes que eu mande prender vocês todos, porque sou amigo do presidente e ele gosta da minha música.”[6]
Diante de uma elite musical “sagrada”, que se contentava, em sua maioria, em repetir formulas antigas e não se apresentava explicitamente crítica diante do lento, gradual e  (in) seguro processo de democratização que o regime ditatorial impunha no país a Patrulha Odara não podia fazer sentido... era necessário algo novo aqui também. Como dentro da ditadura o Brasil ficou de fora da maior parte da explosão do rock, era natural que diante do processo de redemocratização esse estilo ressurgisse com força.



[1] Piva, Andre. O que é punk?. Página 32.
[2] Friedlander, Paul. Rock and Roll: uma história social. Pág 354.
[3] A dimensão individualista é evidente. O do-it-yourself não deixa de ser algo parecido com o ideal do american way of life, do homem que se faz a si mesmo (self-made man ) e acaba levando ao discurso, mesmo que involuntariamente, elementos de um dizer liberal-burguês ( “quem espera sempre alcança” ). 
[4] O que pode também ser interpretado como referência aos Sex Pistols.
[5] O no future da Legião toma dimensões existenciais. Isso fica bem claro na música Tempo perdido.
[6] Alexandre, Ricardo. Dias de Luta: o rock e o Brasil dos anos 80. P.16 e 19.

Filosofia pop 2 - UFSC 24 a 26 de Abril de 2013


Nos dias 24, 25 e 26 de abril, no auditório do CFH/UFSC, ocorrerá o Filosofia Pop II. O encontro tem a intenção de estabelecer uma conexão entre o cotidiano e a formação acadêmica, mas não em defesa de uma filosofia simples e rasa (qual o nome pode sugerir). Como disse recentemente Suassuna, “A universidade brasileira ensina de costas para o Brasil e seu povo”. Desejamos promover um diálogo entre discentes, docentes e interessados, em torno de questões filosóficas e contemporâneas, ampliando o exercício do pensamento através da formação, mídia, tecnologia e cultura popular.

Cada convidado apresentará um tema, que para além de ser o seu proponente, tem também o papel de conduzir o debate. As conversas não se tratam de uma imposição ou busca por uma verdade plena, mas sim por uma erotização dos discursos, gerando movimento, pensamento e um diálogo aberto e rico em suas pontuações e construção.

Entre os convidados, estão os professores Celso Braida, Roberto Wu, Claudia Drucker e Maria de Lourdes, do departamento de Filosofia da UFSC. Também conta com a presença do músico/compositor/escritor Alberto Heller, Marcia Tiburi (Mackenzie/SP) e Marcos Carvalho Lopes (UNIRIO).
O encontro é coordenado pelo prof. Roberto Wu, organizado pelos alunos Mateus Machado, Michelle Belatto e com apoio da SeCult.


PROGRAMAÇÃO

* 24 DE ABRIL
18h30 – Abertura

19h00 – Marcia Tiburi
A filosofia e seus conteúdos desprezados – fundamentos de uma Filosofia Pop


* 25 DE ABRIL
15h00 – Roberto Wu
Lugares de indeterminação na obra musical

16h30 – Alexandre Meyer Luz
Oss – A Filosofia visita o Dojo

18h30 – Claudia Drucker
“Toda mulher gosta de apanhar?” – A ética amorosa de Nelson Rodrigues

19h45 – Maria de Lourdes Borges
Sobre o terrorismo jurídico


* 26 DE ABRIL
15h00 – Celso Braida
A atual constituição de si por meio da retocável imagem da perfeição técnica

16h30 – Alberto Heller
Clássicos e Pops: a quem (ainda) interessa estabelecer fronteiras

18h30 – Marcos Carvalho Lopes
Sobre ‘índios’, dândis e vampiros: Legião Urbana e Engenheiros do Hawaii como Filosofia

AUDITÓRIO DO CFH/UFSC