Contatos Imediatos de Segundo Grau: “as mesmas coisas de forma diferente...”



Contatos Imediatos de Segundo Grau: “as mesmas coisas de forma diferente...”


Em 2006 estava ainda escrevendo o texto de Canção, estética e política: ensaios legionários quando troquei alguns emails com Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. Numa dessas rolou uma entrevista inédita até agora, mas muito importante neste processo de construção: os simples fato de ter essa atenção e cuidado foi muito imporante para sentir que o projeto valia a pena.  

1) Caetano Veloso e Chico Buarque são hoje comumente apontados como "interpretes do Brasil", ao lado de nomes como Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Hollanda etc. Você acha que a obra da Legião Urbana pode ocupar a mesma posição quando se trata de pensar as décadas de 80 e 90?

Dado Villa-Lobos: É possível que sim... mas ainda é um pouco cedo pra tal avaliação. É fato que o Brasil conhece a Legião Urbana e que até hoje ela toca o coração das pessoas: fizemos história em 80 e 90 e parece que essa historia não tem fim - o que pra mim significa História [com letra maiúscula] mesmo.

Marcelo Bonfá: Modestamente: tenho certeza que sim. Até pela distância que separa a Legião de outros artistas contemporâneos, para esta posição, que necessita de obras um tanto quanto abrangentes e de conteúdo. Nunca analisei as letras do Renato, mas não é difícil perceber este contraste.

 2) Numa entrevista (acho que de 1986) Renato Russo disse que a principal contribuição do rock dos nos 80 seria um "resgate da memória nacional", o rock traria uma espécie de instantâneo do país na qual os jovens poderiam se identificar. A Legião Urbana sempre teve o cuidado de pensar/refletir o momento do país?

Dado Villa-Lobos: A Legião Urbana sempre fez seus instantâneos de seus momentos vividos nesse lugar chamado Brasil seguindo os pilares do que é considerado musica popular de forma absoluta e universal. Resgatamos a memória nacional? As pessoas até hoje cantam e citam Que país é este?...
Marcelo Bonfá: Acho que isso faz parte da “nossa” personalidade, mas não com esta pretensão de interferirmos no futuro pois queríamos mudar o mundo”já”. Hoje em dia, olhando um pouco a minha volta não vejo muita coisa positiva acontecendo neste aspecto, ou seja, na utilização deste instantâneo (já que algumas das mensagens têm mais de uma década) a ponto de o país tomar rumos mais favoráveis à justiça.

3)  Hoje a forte oposição temática entre As quatro Estações e V  salta à vista: numa mão o pop-ecumênico, noutra o surrealismo  dionisíaco. Essa oposição já estava planejada quando da gravação de As quatro Estações já que, algumas músicas que seriam parte de V já haviam começado a ser elaboradas?
Dado Villa-Lobos: As Quatro Estações vieram em contraponto a Que país é este, disco anterior que gerou sérios conflitos junto ao público em termos de atitude e compromissos, digamos assim, artísticos: um tanto mais visceral, raivoso, retomando posições "antigas”, tocando Aborto elétrico e, o outro, [As Quatro Estações] retratando o que realmente estávamos passando em nossas vidas: pais, filhos, espiritualidade etc...O V veio a reboque da era Collor, está tudo ali em Metal contra as nuvens e Montanha Mágica, um disco bem estranho e melancólico.

Marcelo Bonfá: Agora acho que você viajou (risos)... Mas não descarto a possibilidade!..Mas é pouquíssimo provável!

 4)  No encarte de V temos a epígrafe "Bem vindo aos anos 70!", essa frase marca bem a transição no som da banda, mas também o fim da Utopia expressa nas Quatro Estações. Até que ponto essa mudança foi influenciada pela mal fadada Era Collor e pela doença de Renato?
Dado Villa-Lobos: Na minha cabeça a frase em questão colocava o Brasil vinte anos atrasado em relação ao mundo ocidental, por conta de Collor é claro...

Marcelo Bonfá: Aposto que se vc procurar vai chegar (ou arranjar!) (no bom sentido) as respostas que procura. A mim cabe apenas o mérito da transposição sonora, juntamente com o resto do grupo.


5)  Interpreto o trabalho da Legião até o disco o descobrimento do brasil como composto de uma dialética que envolve tese, antítese e  síntese (questões seria levantadas em Legião Urbana e rebatidas em  Dois: Que País é este seria uma síntese. Questões seriam lançadas em As Quatro estações e rebatidas em V: a síntese estaria no descobrimento do brasil ). As capas dos álbuns parecem dar margem a essa interpretação. O que você acha dela? A tempestade pode ser vista como um Réquiem?

Dado Villa-Lobos: Nossa nunca pensei em nada dessa forma. Você me traz novas questões pra pensar. Nós seguíamos basicamente nossa intuição e o legado cultural de nossas famílias, sei lá... o descobrimento do brasil veio colocar q o Brasil em questão não era só o que era visto na TV com seus escândalos políticos e programas de formato duvidoso e sim o Brasil das pessoas q trabalham, produzem e pensam no coletivo, se divertem, amam, brigam....a capa era pra ser o Brasil idílico do português, do índio e do alemão ( o Bonfá)!... Ou coisa que o valha!
A tempestade definitivamente é nosso réquiem em vários movimentos.
Marcelo Bonfá: A melhor coisa que posso lhe dizer sobre isto é uma coisa que aprendi recentemente com a minha incursão no campo de letrista e que também me lembro de ouvir o Renato dizer: “Estamos sempre falando das mesmas coisas só que de formas diferentes.” 

P.S: As entrevistas foram feitas por email com as mesmas perguntas, mas de forma separada. Por isso mesmo é mais interesante o contraste entre as respostas. Pensando agora, depois de reler, acredito que a importância deste contato imediato foi bem grande. Estava no mestrado estudando limites da interpretação - um debate entre Umberto Eco e Richard Rorty - e as respostas serviram como um teste de realidade que atestou: não estava heideggerianamente desvelando uma verdade prévia, mas pragmaticamente inventando uma narrativa coerente. Mas essa "invenção" só faz sentido - ganha respaldo - se bem justificada... o livro está aí. Terminei de escrever antes dos 27 anos... por razões de metafísica roqueira.  

Canção popular como abertura para a filosofia: pensando com a Legião Urbana e os Engenheiros do Hawaii

programa  Filosofia, cultura popular e educação

 

projeto  Canção popular e ensino de filosofia

apresentam:

Canção popular como abertura para a filosofia:
pensando com a Legião Urbana e os Engenheiros do Hawaii
Marcos Carvalho Lopes

12/09/2014
14:000 às 18:00
Auditório do Campus dos Malês
São Francisco do Conde


É inegável a importância que a música popular possui hoje na formação de identidade dos alunos do Ensino Médio. Os adolescentes tomam letras de canções (ou outros produtos da cultura pop como quadrinhos, séries de televisão, filmes etc.) como fundamento para a construção de sua visão de mundo. Tais produtos ocupam hoje um lugar privilegiado na cultura contemporânea e, por isso mesmo, sua análise pode ser um convite para o desenvolvimento de uma perspectiva de reflexão mais ampla como a proposta pela filosofia. Nesta oficina procuro justificar a utilização da música popular como instrumento para o Ensino de Filosofia; mais especificamente, do rock nacional  tratando das bandas Legião Urbana e Engenheiros do Hawaii. Duas grandes narrativas podem se vincular a esta abordagem: uma que toma o rock como parte da “criação da adolescência” com a trivialização de questionamentos existencialistas e de uma postura romântica de autocriação (que se traduz na necessidade de comprar certos produtos) e outra que toma o rock nacional dos anos 80 como um momento decisivo de desenvolvimento da Utopia Lírica presente rock (principalmente na década de 1960) e na MPB (até a Era Collor).  Estas duas narrativas geram um interessante pano de fundo para o trabalho e debate do rico interdiscurso presente nas letras das canções da Legião Urbana e dos Engenheiros do Hawaii. Estes dois grupos traduziram seu tempo em canção. A Legião Urbana fez isso a partir de uma postura épica e romântica, inspirada inicialmente pelo no future da estética punk e pela crítica de Rousseau aos efeitos da técnica sobre o desenvolvimento moral; mais tarde procurou um resgate do sagrado numa espécie de politeísmo romântico, um discurso que foi soterrado pela
melancolia e decepção da Era Collor refletindo a crescente distinção entre publico e privado. Já os Engenheiros do Hawaii surgiram dentro de uma faculdade de arquitetura, marcados por uma perspectiva pós-moderna e pop, que, traduzida para o universo da música popular, questionava a dimensão épica da canção. Este questionamento e denúncia das engrenagens da indústria cultural por meio de produtos dessa mesma indústria gerou um discurso que se autoconsumia (até o paradoxo e colapso) inspirado no absurdo de Camus, e que, mais tarde, (em algumas letras) tornou-se denúncia dos mecanismos da sociedade de controle. Esta oficina apresenta (e desdobra em suas consequências didáticas) parte do trabalho que desenvolvi no livro Canção, estética e política: ensaios legionários (2012). Além do relato de experiência e das propostas de abordagem, a oficina apresentará exemplos de trabalhos didáticos desenvolvidos a partir de canções.


Contato: marcosclopes@unilab.edu.br


Entrevista para o Fã Clube Filhos da Revolução: 31/05/2013 “Os anos 80 não acabaram e continuam (e continuarão) sendo reiventados”, diz autor de livro sobre as canções da Legião Urbana


por Clarissa Pacheco

Marcos Carvalho Lopes é filósofo, goiano de Jataí, cidade localizada a 293 km da capital Goiânia. Há mais de uma década, começou a lecionar a disciplina na cidade. Hoje, é professor da UNIRIO, além de doutorando em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No ano passado, Marcos lançou o livro ‘Canção, estética e política: ensaios legionários’, resultado da tentativa de aprofundar a análise sobre o rock nacional e justificar as canções como um caminho para o pensamento. O autor do livro que “recontextualiza a obra da Legião Urbana em sua tentativa de traduzir seu próprio tempo em canção” conversou com a gente!



- As letras das músicas da Legião se tornaram uma espécie de "glossário" para entender o cenário do Brasil naquela conjuntura política da década de 1980. Que outras bandas de rock você acha que alcançaram esse patamar?



A Legião Urbana provavelmente é a mais representativa dos anos 80-90 por conta da popularidade que alcançou e que mantém. No entanto, essa pergunta é muito complicada porque todos os grupos de uma forma ou de outra dialogavam com seu contexto e entre si e construíam um panorama do momento (seja de denúncia, indiferença, alienação, cantando dor de cotovelo ou a revolução).

Se eu fosse escrever algo “assim” colocaria em primeiro plano um “triunvirato”: Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso e Engenheiros do Hawaii (como os três mosqueteiros, são na verdade quatro com a chegada tardia do último da turma). Estas bandas alcançaram grande popularidade naquele momento o que ajuda a justificar sua escolha, e mantiveram de uma forma ou de outra o “complexo de épico” da MPB em sua ânsia de representar o país. Já escrevi sobre como Cazuza redescreveu a noção de malandragem; ele também deve estar no foco primário de qualquer análise desse tipo. Já esbocei algo sobre o Biquíni Cavadão, RPM, Blitz e Ultraje a Rigor. Tenho curiosidade de entender melhor quem foi Júlio Barroso e o que poderia ser o Gang 90. Lobão, Barão Vermelho, Plebe Rude, Nenhum de Nós, Inocentes, Kid Abelha, Camisa de Venus, Hojerizah... A lista é enorme e podia incluir nomes que efetivamente não fizeram sucesso (penso em uma banda da minha cidade natal, Jataí, chamada The Smmurfs que nunca chegou a gravar nada em vinil, mas que faz parte da mitologia local: quem conhece ou tem uma fita k-7 do grupo conta vantagem).  Em verdade, não sou um especialista e não vivi plenamente este período (já que nasci em 80), por isso sei que há muita história pra contar, principalmente para contar de modo diferente. Por exemplo, na segunda metade da década de 90 algumas bandas que não fizeram (ou mantiveram) um sucesso tão grande nos anos 80 ressurgiram com força e  embaralharam a memória de muita gente, o que significa que o passado não é mais como era antigamente. Para muitos Capital Inicial e Ira – e talvez os Titãs – podem justificadamente ser consideradas como bandas dos anos 90-00, pois foi no fim dessa década ou na virada do século que alcançaram maior popularidade (acústica). Tudo depende de qual história você quer contar. Nos anos 80 algumas bandas de pouca vendagem, mas da qual faziam parte jornalistas especializados em rock, costumavam ganhar os principais prêmios da crítica. Imagino que alguns dele já devem ter rascunhado algo como “A verdadeira história do rock brasileiro” em que são protagonistas. Nesse sentido os anos 80 não acabaram e continuam (e continuarão) sendo reinventados.







- A Legião Urbana não teve muitas músicas censuradas, talvez por começar a aparecer já mais próximo ao final do regime, durante o governo de Figueiredo. Mesmo assim, você acredita que as letras da Legião Urbana e de outras bandas de rock eram mais agressivas ao regime do que as censuradas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, por exemplo?



Acho que não cabe comparação porque o momento era bem diferente e os interesses e possibilidades também. Comparando a Legião com a Legião, as letras do Aborto Elétrico (que apareceram em Que País é Este) são efetivamente mais violentas, porém uma violência mais (auto)destrutiva e niilista do que revolucionária. 



- Por que a escolha pelas músicas da Legião Urbana? A banda fez parte da sua vida de alguma forma?



A Legião Urbana sempre me intrigou de uma forma que não sei explicar e é melhor não tentar fazê-lo. É um tipo de obcessão que ajudou a formar minha identidade e fazia parte daquilo que era motivo de longas conversas com amigos na busca adolescente por sentido. Este livro que escrevi sobre a Legião não deve ser visto com uma tentativa de simplificar seu significado propondo uma interpretação final, mas uma tentativa de multiplicar sentidos, promover diálogo e debate. Como sou filósofo, pensei com a Legião, principalmente com as letras de Renato Russo e sua tentativa de articular uma esperança para o país que repercutia em quem se identificava com suas palavras.



- Você vê conotação política ou filosófica nas canções compostas na última década aqui no Brasil?



Com certeza existe conotação e denotação, mas política nós devemos fazer primordialmente não com canções e nem somente com o voto. Já quando se pensa em termos de filosofia a coisa é um pouco mais complicada porque compositores podem citar filósofos (até mesmo de modo errado) e slogans filosóficos, buscar inspiração conceitual em Nietzsche ou musicar O mundo de Sofia ou descartar tudo isso e qualquer pretensão deste tipo. O trabalho de avaliar estas relações diretas ou indiretas ou inconscientes ou inconsistentes é de alguém que tenha a petulância e ingenuidade de reivindicar o nome de filósofo. Pra fazer esta reivindicação de modo mais convincente é preciso ter alguma formação técnica (ainda que para criticar e esquecer está técnica). É preciso promover relações e encontros; correr este risco.

Mas para não me desviar tanto da tentativa de dar uma resposta para sua questão, posso dizer que continua existindo mercado para um tipo de canção que tanta representar/pensar o país, como diz Lenine, fazendo uma crônica de sue tempo. Com certeza não há mais a mesma repercussão que existia em outros momentos da história, por exemplo, quando a Ditadura Militar permitia a coesão de discurso contra um Grande Outro que não era de forma alguma imaginário. Hoje temos mais possibilidades de discurso e reivindicações diversas, a dificuldade esta em buscar um tipo de identificação não demagógica que se dê pela cidadania através da música. Misturar estética e política é correr o risco de alimentar tendências totalitárias: é só pensar no “fascismo” das canções que exaltam candidatos em tempos eleitorais, da força de mobilização dos hinos nas igrejas ou da Internacional Comunista ou do Hino Nazista (“Viktoria Sieg Heil”).   




- No blog, você fala da música popular brasileira como parte da formação da identidade de alunos do Ensino Médio. Que influência teve a música dos anos 80 nessa formação, e como o cenário musical de hoje interfere nessa formação de identidade?



Como explica Hobsbawn, a partir da década de 60 os adolescentes passaram a formar sua identidade não mais através de livros considerados sagrados, mas de produtos feitos para consumo de massa, canções, filmes, moda, televisão etc. O rock brasileiro dos anos 80 faz parte dessa transição, mas com a especificidade de poder questionar de forma mais despudorada os costumes (e com isso modificá-los). Essa forma mais irônica de abordar os costumes aparece, por exemplo, em grupos de teatro, programas de televisão, uma possível modificação do humor (estou especulando agora, não tenho condições de adensar estas insinuações). 





- Onde encontramos o seu livro para comprar?



É possível comprar diretamente com a editora Mercado de Letras e nas principais livrarias on line (coloquei uma lista de links aqui http://ensaioslegionarios.blogspot.com.br/p/onde-comprar.html). Nas lojas físicas da Livraria Cultura você pode encontrar (ou encomendar). 

Fonte:http://blogfilhosdarevolucao.wordpress.com/2013/05/31/os-anos-80-nao-acabaram-e-continuam-e-continuarao-sendo-reiventados-diz-autor-de-livro-sobre-as-cancoes-da-legiao-urbana/

A fórmula do punk da Legião Urbana

Há pouco encontrei em um CD de back up alguns dos arquivos de textos em que começava a projetar os "ensaios legionários". Este texto tentava uma explicação da diferença do punk da Legião Urbana a partir de uma interpretação da canção Marcianos Invadem a Terra. Este deve ser de 2002 ou algo próximo, então não havia muito da informação hoje disponível. Espero que ele ainda faça sentido. Alguns de meus antigos alunos talvez ainda tenham algumas folhas xerocadas com alguns destes textos que serviam para catequese, que dizer, aulas. É que como sempre dividia em duas colunas para colocar a letra e o texto de comentário a estética da coisa era parecida com aqueles folhetos litúrgicos. Neste caso, o texto foi preparado para um pequeno curso sobre a Legião... 

Como um dos primeiros esboços o textos contém alguns problemas: uma terminologia que não usaria, ideias que poderiam ser explicadas de modo mais demorado, alusões a outras partes do projeto, uma avaliação extremamente caricatural (e infeliz, porque parcial) de Caetano contaminada pela narativa de Ricardo Alexandre que o toma como uma espécie de "vilão" etc. As imagens de David Bowie no livro talvez se expliquem melhor aqui. Existe mais coisas nestes baú, aos poucos avalio o que pode ser interessante para postar aqui. Inté!


Marcianos Invadem a Terra 

(Renato Russo)

Diga adeus e atravesse a rua
Voamos alto depois das duas
Mas as cervejas acabaram e os cigarros também
Cuidado com a coisa coisando por aí
A coisa coisa sempre e também coisa por aqui
Sequestra o seu resgate, envenena a sua atenção
É verbo e substantivo/adjetivo e palavrão
E o carinha do rádio não quer calar a boca
E quer o meu dinheiro e as minhas opiniões
Ora, se você quiser se divertir
Invente suas próprias canções
Será que existe vida em Marte?
Janelas de hotéis
Garagens vazias
Fronteiras
Granadas
Lençóis
E existem muitos formatos
Que só têm verniz e não tem invenção
E tudo aquilo contra o que sempre lutam
É exatamente tudo aquilo o que eles são
Marcianos invadem a Terra
Estão inflando o meu ego com ar
E quando acho que estou quase chegando
Tenho que dobrar mais uma esquina
E mesmo se eu tiver a minha liberdade
Não tenho tanto tempo assim
E mesmo se eu tiver a minha liberdade:
Será que existe vida em Marte?

Os Marcianos e a música alienígena


A fórmula do punk da Legião Urbana é sintetizada na canção Marcianos Invadem a Terra. Ela foi gravada originalmente dentro do projeto do segundo disco da Legião (Dois), mas apareceu no álbum Uma Outra Estação, lançado após a morte de Renato Russo com as “sobras” dos trabalhos anteriores.
O punk surgiu, em certo sentido, como resposta ao glamour rock no qual os astros se apresentavam como atores, elementos andróginos camaleônicos, cheios de conceitos e teatralização. A ideia era a de “confundir e entreter a platéia”[1], nesse caminho David Bowie multiplicava suas faces e personagens, afirmava (incorporando uma de suas mutações ) que “as pessoas precisavam desesperadamente de alguém para dirigi-las, ordená-las, façam isso, não façam aquilo. O mundo precisa de um novo Grande Ditador”.
É citando e distanciando-se dessa posição que em Marcianos podemos desvelar o principio punk da Legião. A letra cita Life on Mars? de Bowie (Será que existe vida em Marte? ), na fase em que ele inventou Ziggy  Stardust vocalista do The spiders from Mars. O próprio Bowie seria um alienígena representado a dura tarefa de tentar fazer sucesso na vida musical/social.[2]
Alguns apontam David Bowie como um precursor do punk, quando inventa personagens e promove certa mistura de realidade e ficção, o que seria uma característica deste “gênero” (Renato Russo também era “um personagem” ). Por outro lado, a ambiguidade de seu trabalho abre espaço para que este se torne indefinível, como uma “coisa coisando por aí” que pode ser “verbo substantivo/adjetivo e palavrão “ ao gosto do freguês. Diante da imposição da mídia, da indústria cultural, de uma música cada vez mais inacessível/difícil é que se lança o lema “se você quiser se divertir invente suas próprias canções”.
É o “faça você mesmo” (do-it-yourself ), o mais importante é a criatividade, o fato de que cada um[3]  pode fazer seu som. A dimensão cínica da indústria cultural é apontada com os versos[4]: “existem muitos formatos/ que só tem verniz e não tem invenção/ e tudo aquilo contra o que sempre lutam/ é exatamente tudo aquilo o que eles são.”
É necessário escolher um caminho mais simples onde exista liberdade. É preciso também de intensidade diante do no future[5], que toma um sentido existencial - “não tenho tanto tempo assim”. Perguntar “Será que existe vida em Marte?” é também acenar: não é preciso ser marciano para fazer música.
A violência do punk original se encontra superada ou amenizada na interpretação da Legião. O fato desta canção ser apresentada de forma acústica já mostra essa transformação. A ênfase é dada à criatividade e valorização do simples. O no future perde sua dimensão social e ganha um sentido existencialista/individual. Ainda assim, não se resolve o problema de contraditoriamente atacar e ser indústria de massa. Isto é parte do teorema.     


 

Patrulha Odara e os “marcianos” tupiniquins

O discurso de Renato sobre David Bowie faz sentido no Brasil? A resposta parece ser positiva quando lembramos que na década de 70 o Brasil teve Secos & Molhados que apresentavam a dimensão teatral e andrógina que continua presente na figura de pavão misterioso de Ney Matogrosso. O domínio dos tropicalistas, regressos do exílio, dentro do cenário cultural continha algo também de glamour como nessas declarações de Caetano no início dos anos 80:
 “Nos os músicos somos sagrados. Eu sou sagrado, o Gil é sagrado, o Milton é sagrado, o Chico Buarque é sagrado. Nós somos sagrados. Falando por mim, devo dizer que eu, Caetano Veloso, sou um homem puro.”
“Não estou aqui para ser questionado, eu sou como a Rachel Welch, quero mostrar só a beleza da minha música, como vocês só mostrariam a beleza dela. Fora daqui, antes que eu mande prender vocês todos, porque sou amigo do presidente e ele gosta da minha música.”[6]
Diante de uma elite musical “sagrada”, que se contentava, em sua maioria, em repetir formulas antigas e não se apresentava explicitamente crítica diante do lento, gradual e  (in) seguro processo de democratização que o regime ditatorial impunha no país a Patrulha Odara não podia fazer sentido... era necessário algo novo aqui também. Como dentro da ditadura o Brasil ficou de fora da maior parte da explosão do rock, era natural que diante do processo de redemocratização esse estilo ressurgisse com força.



[1] Piva, Andre. O que é punk?. Página 32.
[2] Friedlander, Paul. Rock and Roll: uma história social. Pág 354.
[3] A dimensão individualista é evidente. O do-it-yourself não deixa de ser algo parecido com o ideal do american way of life, do homem que se faz a si mesmo (self-made man ) e acaba levando ao discurso, mesmo que involuntariamente, elementos de um dizer liberal-burguês ( “quem espera sempre alcança” ). 
[4] O que pode também ser interpretado como referência aos Sex Pistols.
[5] O no future da Legião toma dimensões existenciais. Isso fica bem claro na música Tempo perdido.
[6] Alexandre, Ricardo. Dias de Luta: o rock e o Brasil dos anos 80. P.16 e 19.

Filosofia pop 2 - UFSC 24 a 26 de Abril de 2013


Nos dias 24, 25 e 26 de abril, no auditório do CFH/UFSC, ocorrerá o Filosofia Pop II. O encontro tem a intenção de estabelecer uma conexão entre o cotidiano e a formação acadêmica, mas não em defesa de uma filosofia simples e rasa (qual o nome pode sugerir). Como disse recentemente Suassuna, “A universidade brasileira ensina de costas para o Brasil e seu povo”. Desejamos promover um diálogo entre discentes, docentes e interessados, em torno de questões filosóficas e contemporâneas, ampliando o exercício do pensamento através da formação, mídia, tecnologia e cultura popular.

Cada convidado apresentará um tema, que para além de ser o seu proponente, tem também o papel de conduzir o debate. As conversas não se tratam de uma imposição ou busca por uma verdade plena, mas sim por uma erotização dos discursos, gerando movimento, pensamento e um diálogo aberto e rico em suas pontuações e construção.

Entre os convidados, estão os professores Celso Braida, Roberto Wu, Claudia Drucker e Maria de Lourdes, do departamento de Filosofia da UFSC. Também conta com a presença do músico/compositor/escritor Alberto Heller, Marcia Tiburi (Mackenzie/SP) e Marcos Carvalho Lopes (UNIRIO).
O encontro é coordenado pelo prof. Roberto Wu, organizado pelos alunos Mateus Machado, Michelle Belatto e com apoio da SeCult.


PROGRAMAÇÃO

* 24 DE ABRIL
18h30 – Abertura

19h00 – Marcia Tiburi
A filosofia e seus conteúdos desprezados – fundamentos de uma Filosofia Pop


* 25 DE ABRIL
15h00 – Roberto Wu
Lugares de indeterminação na obra musical

16h30 – Alexandre Meyer Luz
Oss – A Filosofia visita o Dojo

18h30 – Claudia Drucker
“Toda mulher gosta de apanhar?” – A ética amorosa de Nelson Rodrigues

19h45 – Maria de Lourdes Borges
Sobre o terrorismo jurídico


* 26 DE ABRIL
15h00 – Celso Braida
A atual constituição de si por meio da retocável imagem da perfeição técnica

16h30 – Alberto Heller
Clássicos e Pops: a quem (ainda) interessa estabelecer fronteiras

18h30 – Marcos Carvalho Lopes
Sobre ‘índios’, dândis e vampiros: Legião Urbana e Engenheiros do Hawaii como Filosofia

AUDITÓRIO DO CFH/UFSC