Em livro de ensaios sobre a Legião Urbana, Marcos Carvalho Lopes faz uma análise das letras de Renato Russo
No
altar do rock dos anos 1980, duas grandes figuras ocupam em definitivo o
patamar de poetas daquela geração: Cazuza e Renato Russo. Os dois, como
dita a cartilha do panteão do rock, mortos precocemente, deixaram obras
fortes, extensas e que refletem os anseios e sentimentos dos jovens
para quem cantaram.
Vocalista e compositor da Legião Urbana, Renato Russo é figura central na análise de Marcos Carvalho Lopes.
Em
"Canção, Estética e Política - Ensaios Legionários", o escritor goiano,
doutorando em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), mergulha na trajetória de um deles, Renato Russo, e traça
reflexões filosóficas, psicológicas e sociológicas, sobre o universo que
tornou a brasiliense Legião Urbana um marco.
Os anos 1980,
justifica o autor, formaram um geração para quem "o cinema, a
contracultura, os astros que estampam camisetas e produtos tomaram o
lugar dos livros sagrados como modelos de comportamento e valor".
A
partir disto, ao tratar de temas como o amor, o cotidiano, a crítica
social e questões existenciais, as músicas são referência para uma
reflexão filosófica sobre a época e a juventude que fez de Renato Russo
seu porta-voz.
Ensaios
Marcos coloca,
naturalmente, o líder da Legião Urbana no centro da trama, que começa
com a transformação do jovem Renato Manfredini Júnior (1960-1996),
carioca vivendo a monotonia brasiliense do início dos anos 1980, no
Renato que, ao lado de Dado Villa-Lobos (guitarra) e Marcelo Bonfá
(bateria), gravou oito álbuns de estúdio e cinco ao vivo, além dos três
de sua carreira solo.
Embora escritos isoladamente, sem a
intenção inicial de compor a obra, os ensaios tecem uma trama que,
camada por camada, desvelam o pensamento do grupo.
Aos ensaios,
Marcos somou a discografia da Legião Urbana (incluindo os sete discos
lançados em vida por Renato Russo), com comentários música a música.
Mito do Rock´n Roll nacional, o cantor transpôs para suas letras os sentimentos e anseios da juventude dos anos 1980
A
invenção do mito Renato Russo é parte fundamental nesta caminhada,
gestada na própria construção do nome, inspirado pelos filósofos
Bertrand Russel e Jean-Jacques Rosseau, e no sonho do jovem Manfredini
de ser um astro do rock. "Costumava falar que tinha toda sua vida
planejada: até os 40 anos se dedicaria à música, até os 60, ao cinema,
e, daí em diante, à literatura", lembra o autor.
Influências
Em
"Dezesseis", música do disco "A Tempestade ou Livro dos Dias" (1996),
último lançado em vida por Renato Russo, Marcos destrincha o "Mito do
Rock´n Roll" que permeia a odisséia do jovem João Roberto e as
referências que vão de Chuck Berry à Roberto Carlos, passando pelos
Beatles nos versos de "Strawberry Fields Forever". "Dezesseis é um épico
que desvela a essência da ´atitude´ / postura Rock and Roll", define.
O
autor sugere influências da obra de artistas como Jean-Luc Godard, cujo
filme "Número Deux" (1975) teria inspirado o nome do segundo disco da
banda, ou os Beatles, que inspirariam a cada deste disco com o seu
"Álbum Branco".
O lado "flâneur" de Renato parte desde as
primeiras composições, como "Música Urbana", composta enquanto fazia
parte da banda de punk Aborto Elétrico (e gravada anos depois pelo
Capital Inicial), exposta ainda em "Tédio (com um T bem grande pra
você)", "Baader-Meinhof Blues" e "Música Urbana 2". Ao flanar, argumenta
o autor, ele assumia a postura de quem, embora percebendo os erros e
contradições da sociedade, continua a caminhada, a fim de esquecer.
"Somente no disco "As quatro estações", em sua primeira música, "Há
tempos", Renato Russo salta da descrição para a opinião em busca de
alguma solução", aponta.
Crítica
O
engajamento das letras de Renato Russo, gestado com vigor em sua fase
punk do Aborto Elétrico, segue presente em todos os trabalhos da Legião
Urbana. O primeiro álbum, "Legião Urbana", traz sucessos da banda como
"Será", contestando o sentimento de posse nos relacionamentos; "Dança",
investindo contra os padrões de moda e comportamento; "Petróleo do
Futuro", denunciando o individualismo e a indiferença da sociedade. E o
clássico "Geração Coca-cola", uma rajada contra o sistema de educação.
O
autor costura a trama fiada nos discos seguintes onde a crítica
política e social segue em alguns como "Dois", que traz músicas como
"Índios"; e no seguinte, "Que País é Este", com a música tema jogando a
"sujeira" da nação no ventilador. Em "As Quatro Estações" (1989), Renato
Russo quebra essa linha crítica e "busca uma perspectiva
ética-romântica para falar da sociedade: construindo uma grande utopia
em torno do amor e do sentimento sagrado", argumenta Marcos.
O
disco seguinte, "V" (1991), revoga este discurso e traz a "antítese" do
pensamento "o amor vai salvar o mundo", revelando as atribulações
políticas do Brasil no início da década de 1990.
"O Descobrimento
do Brasil" (1993), na análise do autor, fecha o ciclo sintetizando as
lições de "As Quatro Estações" e "V". Repleto de referências aos
acontecimentos que permeavam as criações de Renato Russo e da Legião
Urbana, das influências do cinema, da música e da filosofia, o livro é
um bom convite aos velhos de jovens fãs a escutar sobre outra
perspectiva a obra da banda e mergulhar no tempo que, nas palavras do
próprio Dado Villa-Lobos transcritas na contracapa, "insiste e não vai
embora" e completa, "muito esclarecedor".
FÁBIO MARQUESREDAÇÃO
Fonte: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1165241
Imprensa -Livros Recomendados da Revista Conhecimento Prático Filosofia
As várias estações da Legião - Gabriel Sá no Correio Braziliense 15/07/2012
Marcos Carvalho Lopes, 31 anos, era professor de filosofia em escolas
estaduais de sua cidade natal, Jataí (GO), quando decidiu, no começo dos
anos 2000, se utilizar de letras de canções da Legião Urbana para
despertar em seus alunos interesse pela disciplina. Fã da banda desde
meados da década anterior, o jovem não era do tipo que ia a shows, mas
se impressionava com as ideias que embasavam os escritos de Renato
Russo. Os estudos informais foram ganhando consistência e Marcos decidiu
colocá-los no papel. Entre 2001 e 2007, dedicou-se a escrever Canção,
estética e política — Ensaios legionários, que chega agora às lojas,
pelo Mercado de Letras.
Um dos primeiros estalos de que a obra da Legião poderia manter um diálogo com questões filosóficas veio com a canção Se fiquei esperando meu amor passar, do álbum As quatro estações (1989). “Ela mistura a descrição de uma relação afetiva idealizada com um canto do catecismo católico. Para mim, como adolescente, essa junção satisfazia certa busca platônica que nessa fase da vida se torna muito chamativa. Como diria Nietzsche, o cristianismo seria um platonismo para massas”, detalha Marcos. Já no início da letra de Sereníssima, (“Sou um animal sentimental/ Me apego facilmente ao que desperta meu desejo”), o estudioso percebeu uma alusão ao filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, que descreveu o homem desta forma.
Foi Rousseau, inclusive, que, ao lado do britânico Bertrand Russell, teria inspirado o sobrenome escolhido pelo jovem Renato Manfredini Júnior: Russo. O livro pode ser visto como uma biografia idealizada deste personagem criado pelo compositor, a partir do momento em que se assume assim. “Para se inventar, você constrói uma obra. Renato dizia que sua vida não era importante, o que havia de importante estava em sua obra”, relata o autor. A publicação mergulha pelos álbuns da Legião Urbana, buscando perceber a relação deles com seu tempo, destacando algumas canções e o interdiscurso presente nelas.
A filosofia, aqui, foge um pouco das questões epistemológicas e busca se aproximar de uma abordagem mais pragmática. “A tarefa é tentar traduzir nosso tempo em pensamento. Para isso, os produtos culturais, que são signos de nosso tempo, devem ser investigados”, explica Marcos. Há, no livro, uma tese central que aponta para o conceito de utopia lírica, termo cunhado pelo filósofo Renato Janine Ribeiro para falar da anulação do “eu”. As canções de Russo estariam permeadas pela visão de que o indivíduo não é importante, e sim a coletividade. Isso tem muito a ver com o sentimento de nação unida que aflorava na abertura política dos anos 1980, pós-ditadura militar.
Referências
Algumas questões percebidas por Marcos Carvalho Lopes em canções da Legião Urbana:
Eduardo e Mônica
A canção inverte um paradigma social, os papéis tradicionais da mulher e do homem, colocando este como o dominado.
Faroeste caboclo
O personagem João de Santo Cristo remete ao mito do “bom selvagem”, que diz que “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. Essa temática também está presente em Índios.
A montanha mágica
De clima medieval, tem o mesmo nome do livro de Thomas Mann, em que a busca pelo autoconhecimento passa pelo uso de drogas. Pode ser vista como a experiência de Russo com a heroína, uma “especiaria”.
O teatro dos vampiros
Crítica à televisão e à alienação, aborda o vazio do mundo consumista, que vive de aparências, e as competições em uma sociedade capitalista.
Um dos primeiros estalos de que a obra da Legião poderia manter um diálogo com questões filosóficas veio com a canção Se fiquei esperando meu amor passar, do álbum As quatro estações (1989). “Ela mistura a descrição de uma relação afetiva idealizada com um canto do catecismo católico. Para mim, como adolescente, essa junção satisfazia certa busca platônica que nessa fase da vida se torna muito chamativa. Como diria Nietzsche, o cristianismo seria um platonismo para massas”, detalha Marcos. Já no início da letra de Sereníssima, (“Sou um animal sentimental/ Me apego facilmente ao que desperta meu desejo”), o estudioso percebeu uma alusão ao filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, que descreveu o homem desta forma.
Foi Rousseau, inclusive, que, ao lado do britânico Bertrand Russell, teria inspirado o sobrenome escolhido pelo jovem Renato Manfredini Júnior: Russo. O livro pode ser visto como uma biografia idealizada deste personagem criado pelo compositor, a partir do momento em que se assume assim. “Para se inventar, você constrói uma obra. Renato dizia que sua vida não era importante, o que havia de importante estava em sua obra”, relata o autor. A publicação mergulha pelos álbuns da Legião Urbana, buscando perceber a relação deles com seu tempo, destacando algumas canções e o interdiscurso presente nelas.
A filosofia, aqui, foge um pouco das questões epistemológicas e busca se aproximar de uma abordagem mais pragmática. “A tarefa é tentar traduzir nosso tempo em pensamento. Para isso, os produtos culturais, que são signos de nosso tempo, devem ser investigados”, explica Marcos. Há, no livro, uma tese central que aponta para o conceito de utopia lírica, termo cunhado pelo filósofo Renato Janine Ribeiro para falar da anulação do “eu”. As canções de Russo estariam permeadas pela visão de que o indivíduo não é importante, e sim a coletividade. Isso tem muito a ver com o sentimento de nação unida que aflorava na abertura política dos anos 1980, pós-ditadura militar.
Referências
Algumas questões percebidas por Marcos Carvalho Lopes em canções da Legião Urbana:
Eduardo e Mônica
A canção inverte um paradigma social, os papéis tradicionais da mulher e do homem, colocando este como o dominado.
Faroeste caboclo
O personagem João de Santo Cristo remete ao mito do “bom selvagem”, que diz que “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. Essa temática também está presente em Índios.
A montanha mágica
De clima medieval, tem o mesmo nome do livro de Thomas Mann, em que a busca pelo autoconhecimento passa pelo uso de drogas. Pode ser vista como a experiência de Russo com a heroína, uma “especiaria”.
O teatro dos vampiros
Crítica à televisão e à alienação, aborda o vazio do mundo consumista, que vive de aparências, e as competições em uma sociedade capitalista.
Marcos Carvalho Lopes destaca trecho do livro "Canção, estética e política" - no Correio Braziliense
Por: Gabriel de Sá
Publicação: 15/07/2012 08:00 Atualização:
Marcos Carvalho Lopes, 31 anos, era professor de filosofia em escolas estaduais de sua cidade natal, Jataí (GO), quando decidiu, no começo dos anos 2000, se utilizar de letras de canções da Legião Urbana para despertar em seus alunos interesse pela disciplina. Fã da banda desde meados da década anterior, o jovem não era do tipo que ia a shows, mas se impressionava com as ideias que embasavam os escritos de Renato Russo. Os estudos informais foram ganhando consistência e Marcos decidiu colocá-los no papel. Entre 2001 e 2007, dedicou-se a escrever Canção, estética e política — Ensaios legionários, que chega agora às lojas, pelo Mercado de Letras.
Um dos primeiros estalos de que a obra da Legião poderia manter um diálogo com questões filosóficas veio com a canção Se fiquei esperando meu amor passar, do álbum As quatro estações (1989). “Ela mistura a descrição de uma relação afetiva idealizada com um canto do catecismo católico. Para mim, como adolescente, essa junção satisfazia certa busca platônica que nessa fase da vida se torna muito chamativa. Como diria Nietzsche, o cristianismo seria um platonismo para massas”, detalha Marcos. Já no início da letra de Sereníssima, (“Sou um animal sentimental/ Me apego facilmente ao que desperta meu desejo”), o estudioso percebeu uma alusão ao filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, que descreveu o homem desta forma.
O autor Marcos Carvalho Lopes destaca alguns trechos de seu livro "Canção, estética e política - Ensaios legionários".
Publicação: 15/07/2012 08:00 Atualização:
Marcos Carvalho Lopes, 31 anos, era professor de filosofia em escolas estaduais de sua cidade natal, Jataí (GO), quando decidiu, no começo dos anos 2000, se utilizar de letras de canções da Legião Urbana para despertar em seus alunos interesse pela disciplina. Fã da banda desde meados da década anterior, o jovem não era do tipo que ia a shows, mas se impressionava com as ideias que embasavam os escritos de Renato Russo. Os estudos informais foram ganhando consistência e Marcos decidiu colocá-los no papel. Entre 2001 e 2007, dedicou-se a escrever Canção, estética e política — Ensaios legionários, que chega agora às lojas, pelo Mercado de Letras.
Um dos primeiros estalos de que a obra da Legião poderia manter um diálogo com questões filosóficas veio com a canção Se fiquei esperando meu amor passar, do álbum As quatro estações (1989). “Ela mistura a descrição de uma relação afetiva idealizada com um canto do catecismo católico. Para mim, como adolescente, essa junção satisfazia certa busca platônica que nessa fase da vida se torna muito chamativa. Como diria Nietzsche, o cristianismo seria um platonismo para massas”, detalha Marcos. Já no início da letra de Sereníssima, (“Sou um animal sentimental/ Me apego facilmente ao que desperta meu desejo”), o estudioso percebeu uma alusão ao filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau, que descreveu o homem desta forma.
O autor Marcos Carvalho Lopes destaca alguns trechos de seu livro "Canção, estética e política - Ensaios legionários".
O autor Marcos Carvalho Lopes destaca alguns trechos de seu livro "Canção, estética e política - Ensaios legionários".
"Invertendo paradigmas sociais – feito comum nas canções da Legião onde existem narrativas, em Eduardo e Mõnica é ela quem “comanda” a relação: é mais velha, faz medicina, fala alemão, tem um gosto literário e musical refinado (gosta da poesia de Manoel Bandeira e do francês Arthur Rimbaud, das canções de Bauhaus, Mutantes e Caetano Veloso, da pintura de Van Gogh...) é mística, é punk (usa tinta no cabelo) e liberal. Eduardo aparece como um rapaz caseiro, de classe média burguesa, muito ligado aos valores familiares. Dessa combinação inusitada, surge uma relação amorosa, que cultivada (fizeram juntos natação, artesanato, teatro e viagens), fez com que conseguissem certo equilíbrio. Juntos (brigando, trabalhando, comemorando, etc.) construíram uma casa, uma família e todos dizem que são diferentes, mas se completam. Mesmo “com tudo diferente” inventaram uma saída poética por meio do amor." (p.64)
Começa o faroeste. Mas, o que diz “faroeste”? Esse nome nos trás a memória um gênero cinematográfico que, diferentemente de outros que se definem pelo sentimento que causariam no espectador (drama, suspense, terror etc.), representa uma região geográfica numa época específica: o “Oeste Selvagem” (Wild West ) dos Estados Unidos na segunda metade do século XIX, no período que vai da Guerra Civil ao fim da expansão dos rebanhos e da exploração de minérios, por volta de 1880. A chamada “marcha para o Oeste” (que deu origem ao nome far west ), teve como objetivo a busca por terras e ouro, o sonho de que nas regiões selvagens estariam as oportunidades de futuro e liberdade. No entanto, a rápida ocupação territorial gerou uma sociedade onde, sem a presença do Estado, valia a lei do mais forte.[...] Na história de João do Santo Cristo a “marcha para o Oeste” é a migração da personagem de uma região pobre do nordeste brasileiro em busca de um lugar onde tivesse oportunidades. Brasília surge como a “visão do paraíso”, uma terra prometida em sua dimensão utópica estrutural. (p.78-79)
[...] ao abandonar o mundo em favor de um ideal, ao procurar um ponto fixo a partir do qual tudo poderia ser explicado, o discurso da Legião Urbana caiu na metafísica como descrita por Jorge Luis Borges: uma espécie de literatura fantástica que nos causa admiração e assombro, mas que é constantemente desmentida pela realidade. O sentimento exaltado em As Quatro Estações é um ideal, o discurso desse álbum é de idealismo-romântico. A tediosa obsessão romântica com a morte e a sublimação ganham contornos políticos de transformação social: num momento em que o país se preparava para eleger democraticamente um presidente, depois de mais de 25 anos, o discurso da Legião Urbana captou e refletiu bem a esperança utópica de que a democracia poderia trazer consigo uma melhoria nas condições de vida da população. O confronto com a realidade facilmente “derreteria as asas de cera” desse idealismo romântico pós-moderno: infelizmente, isso era inevitável, não só para esse grupo de rock, mas para o país inteiro. (p.117)
É difícil daí não deduzir um paralelismo entre a vida pessoal e a vida da nação em o descobrimento do brasil. Os vícios de anos de Ditadura estariam vindo à tona com toda a força e o país precisaria se reinventar para sair do ciclo destrutivo de euforia e depressão, ou seja, deveríamos abandonar as esperanças de transformações épicas na política e assumir cada qual sua responsabilidade na difícil transformação dessa realidade. O seu discurso tentava também assimilar as lições da Era Collor. Nesse sentido, o descobrimento do brasil funcionaria como “uma reconstrução”, buscando falar “da valorização da família sem ser careta”, denunciando a indiferença e exaltando a responsabilidade de cada um como cidadão. (p.136)
"Invertendo paradigmas sociais – feito comum nas canções da Legião onde existem narrativas, em Eduardo e Mõnica é ela quem “comanda” a relação: é mais velha, faz medicina, fala alemão, tem um gosto literário e musical refinado (gosta da poesia de Manoel Bandeira e do francês Arthur Rimbaud, das canções de Bauhaus, Mutantes e Caetano Veloso, da pintura de Van Gogh...) é mística, é punk (usa tinta no cabelo) e liberal. Eduardo aparece como um rapaz caseiro, de classe média burguesa, muito ligado aos valores familiares. Dessa combinação inusitada, surge uma relação amorosa, que cultivada (fizeram juntos natação, artesanato, teatro e viagens), fez com que conseguissem certo equilíbrio. Juntos (brigando, trabalhando, comemorando, etc.) construíram uma casa, uma família e todos dizem que são diferentes, mas se completam. Mesmo “com tudo diferente” inventaram uma saída poética por meio do amor." (p.64)
Começa o faroeste. Mas, o que diz “faroeste”? Esse nome nos trás a memória um gênero cinematográfico que, diferentemente de outros que se definem pelo sentimento que causariam no espectador (drama, suspense, terror etc.), representa uma região geográfica numa época específica: o “Oeste Selvagem” (Wild West ) dos Estados Unidos na segunda metade do século XIX, no período que vai da Guerra Civil ao fim da expansão dos rebanhos e da exploração de minérios, por volta de 1880. A chamada “marcha para o Oeste” (que deu origem ao nome far west ), teve como objetivo a busca por terras e ouro, o sonho de que nas regiões selvagens estariam as oportunidades de futuro e liberdade. No entanto, a rápida ocupação territorial gerou uma sociedade onde, sem a presença do Estado, valia a lei do mais forte.[...] Na história de João do Santo Cristo a “marcha para o Oeste” é a migração da personagem de uma região pobre do nordeste brasileiro em busca de um lugar onde tivesse oportunidades. Brasília surge como a “visão do paraíso”, uma terra prometida em sua dimensão utópica estrutural. (p.78-79)
[...] ao abandonar o mundo em favor de um ideal, ao procurar um ponto fixo a partir do qual tudo poderia ser explicado, o discurso da Legião Urbana caiu na metafísica como descrita por Jorge Luis Borges: uma espécie de literatura fantástica que nos causa admiração e assombro, mas que é constantemente desmentida pela realidade. O sentimento exaltado em As Quatro Estações é um ideal, o discurso desse álbum é de idealismo-romântico. A tediosa obsessão romântica com a morte e a sublimação ganham contornos políticos de transformação social: num momento em que o país se preparava para eleger democraticamente um presidente, depois de mais de 25 anos, o discurso da Legião Urbana captou e refletiu bem a esperança utópica de que a democracia poderia trazer consigo uma melhoria nas condições de vida da população. O confronto com a realidade facilmente “derreteria as asas de cera” desse idealismo romântico pós-moderno: infelizmente, isso era inevitável, não só para esse grupo de rock, mas para o país inteiro. (p.117)
É difícil daí não deduzir um paralelismo entre a vida pessoal e a vida da nação em o descobrimento do brasil. Os vícios de anos de Ditadura estariam vindo à tona com toda a força e o país precisaria se reinventar para sair do ciclo destrutivo de euforia e depressão, ou seja, deveríamos abandonar as esperanças de transformações épicas na política e assumir cada qual sua responsabilidade na difícil transformação dessa realidade. O seu discurso tentava também assimilar as lições da Era Collor. Nesse sentido, o descobrimento do brasil funcionaria como “uma reconstrução”, buscando falar “da valorização da família sem ser careta”, denunciando a indiferença e exaltando a responsabilidade de cada um como cidadão. (p.136)
Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2012/07/15/interna_diversao_arte,311879/marcos-carvalho-lopes-destaca-trecho-do-livro-cancao-estetica-e-politica.shtml#.UAA8PkcufWk.facebook
Publicado também no Diário de Pernambuco : http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2012/07/15/internas_viver,385254/livro-de-escritor-goiano-explica-letras-de-musicas-da-legiao-urbana.shtml
Publicado também no Diário de Pernambuco : http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/viver/2012/07/15/internas_viver,385254/livro-de-escritor-goiano-explica-letras-de-musicas-da-legiao-urbana.shtml
Imprensa: A filosofia da Legião Urbana - texto de VIVIANE BEVILACQUA no Pioneiros de Caxias do Sul
05/07/2012 | N° 11418
LIVRO
A filosofia da Legião Urbana
‘Canção, Estética e Política’ lembra grupo que reunia amor e protesto nas mesmas letras
Canção, Estética e Política – Ensaios Legionários (Editora Mercado de
Letras, 175 págs., R$ 60) é, sim, mais um livro sobre a Legião Urbana,
banda de rock surgida em Brasília, no início da década de 1980, liderada
por Renato Russo, morto em 1996. Mas é mais do que uma biografia do
grupo que vendeu mais de 20 milhões de discos.
Trata-se de um livro de ensaios filosóficos, no qual o autor Marcos Carvalho Lopes faz uma análise minuciosa da vida e obra de Renato Russo e sua trupe, além de uma profunda crítica cultural. Para o doutor em Filosofia Charles Feitosa, que assina a apresentação da obra, enquanto os outros grupos de rock da época se revezavam entre canções românticas ou de revolta, a Legião Urbana criava sons híbridos poderosos, capazes de reunir na mesma levada versos de amor e de protesto (como na música Índios, de 1986). “Isso foi um das marcas da originalidade da Legião Urbana: aqueles garotos eram capazes de, em um mesmo gesto musical, conectar o universal com o particular; o coletivo com o individual; o político com o afetivo. Nesse sentido, o livro Canção, Estética e Política deve ser saudado como um importante acontecimento literário e cultural”, escreveu.
A obra, acredita Feitosa, representa um importante avanço para a filosofia universitária brasileira, que ainda teima em fixar seus olhos na cultura europeia e a ignorar o que se passa à sua volta. Os ensaios propõem diversas chaves de compreensão das canções da Legião Urbana, percorrendo temas tão diversos quanto complexos, como o tempo, o cotidiano, o amor, a existência, a sociedade de consumo, a solidão, os rumos do país, os impasses da arte. O livro de Marcos Carvalho Lopes convida a escutar novamente as canções, mas com olhos e ouvidos renovados.
A Legião Urbana é até hoje um dos grupos musicais da gravadora EMI que mais vende disco de catálogo, com média de 250 mil cópias por ano. Só isso já bastaria para explicar a importância de Renato Russo (voz), Marcelo Bonfá (bateria e percussão) Renato Rocha (contrabaixo) e Dado Villa-Lobos (guitarra, violões, bandolim e viola). O fim oficial da banda foi em 22 de outubro de 1996, 11 dias após a morte de seu mentor, líder e fundador.
viviane.bevilacqua@diario.com.br
VIVIANE BEVILACQUA
Trata-se de um livro de ensaios filosóficos, no qual o autor Marcos Carvalho Lopes faz uma análise minuciosa da vida e obra de Renato Russo e sua trupe, além de uma profunda crítica cultural. Para o doutor em Filosofia Charles Feitosa, que assina a apresentação da obra, enquanto os outros grupos de rock da época se revezavam entre canções românticas ou de revolta, a Legião Urbana criava sons híbridos poderosos, capazes de reunir na mesma levada versos de amor e de protesto (como na música Índios, de 1986). “Isso foi um das marcas da originalidade da Legião Urbana: aqueles garotos eram capazes de, em um mesmo gesto musical, conectar o universal com o particular; o coletivo com o individual; o político com o afetivo. Nesse sentido, o livro Canção, Estética e Política deve ser saudado como um importante acontecimento literário e cultural”, escreveu.
A obra, acredita Feitosa, representa um importante avanço para a filosofia universitária brasileira, que ainda teima em fixar seus olhos na cultura europeia e a ignorar o que se passa à sua volta. Os ensaios propõem diversas chaves de compreensão das canções da Legião Urbana, percorrendo temas tão diversos quanto complexos, como o tempo, o cotidiano, o amor, a existência, a sociedade de consumo, a solidão, os rumos do país, os impasses da arte. O livro de Marcos Carvalho Lopes convida a escutar novamente as canções, mas com olhos e ouvidos renovados.
A Legião Urbana é até hoje um dos grupos musicais da gravadora EMI que mais vende disco de catálogo, com média de 250 mil cópias por ano. Só isso já bastaria para explicar a importância de Renato Russo (voz), Marcelo Bonfá (bateria e percussão) Renato Rocha (contrabaixo) e Dado Villa-Lobos (guitarra, violões, bandolim e viola). O fim oficial da banda foi em 22 de outubro de 1996, 11 dias após a morte de seu mentor, líder e fundador.
viviane.bevilacqua@diario.com.br
VIVIANE BEVILACQUA
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/pioneiro/rs/impressa/11,3811060,1217,19936,impressa.html
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