por Clarissa Pacheco
Marcos Carvalho Lopes é filósofo, goiano de Jataí, cidade localizada a
293 km da capital Goiânia. Há mais de uma década, começou a lecionar a
disciplina na cidade. Hoje, é professor da UNIRIO, além de doutorando em
filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No ano passado,
Marcos lançou o livro ‘Canção, estética e política: ensaios legionários’, resultado
da tentativa de aprofundar a análise sobre o rock nacional e justificar as
canções como um caminho para o pensamento. O autor do livro que
“recontextualiza a obra da Legião Urbana em sua tentativa de traduzir seu
próprio tempo em canção” conversou com a gente!
- As letras das músicas da Legião
se tornaram uma espécie de "glossário" para entender o cenário do
Brasil naquela conjuntura política da década de 1980. Que outras bandas de rock
você acha que alcançaram esse patamar?
A Legião Urbana provavelmente é a mais
representativa dos anos 80-90 por conta da popularidade que alcançou e que
mantém. No entanto, essa pergunta é muito complicada porque todos os grupos de
uma forma ou de outra dialogavam com seu contexto e entre si e construíam um
panorama do momento (seja de denúncia, indiferença, alienação, cantando dor de
cotovelo ou a revolução).
Se eu fosse escrever algo “assim” colocaria em
primeiro plano um “triunvirato”: Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso e
Engenheiros do Hawaii (como os três mosqueteiros, são na verdade quatro com a
chegada tardia do último da turma). Estas bandas alcançaram grande popularidade
naquele momento o que ajuda a justificar sua escolha, e mantiveram de uma forma
ou de outra o “complexo de épico” da MPB em sua ânsia de representar o país. Já
escrevi sobre como Cazuza redescreveu a noção de malandragem; ele também deve
estar no foco primário de qualquer análise desse tipo. Já esbocei algo sobre o Biquíni
Cavadão, RPM, Blitz e Ultraje a Rigor. Tenho curiosidade de entender melhor quem
foi Júlio Barroso e o que poderia ser o Gang 90. Lobão, Barão Vermelho, Plebe
Rude, Nenhum de Nós, Inocentes, Kid Abelha, Camisa de Venus, Hojerizah... A
lista é enorme e podia incluir nomes que efetivamente não fizeram sucesso
(penso em uma banda da minha cidade natal, Jataí, chamada The Smmurfs que nunca
chegou a gravar nada em vinil, mas que faz parte da mitologia local: quem
conhece ou tem uma fita k-7 do grupo conta vantagem). Em verdade, não sou um especialista e não vivi
plenamente este período (já que nasci em 80), por isso sei que há muita
história pra contar, principalmente para contar de modo diferente. Por exemplo,
na segunda metade da década de 90 algumas bandas que não fizeram (ou mantiveram)
um sucesso tão grande nos anos 80 ressurgiram com força e embaralharam a memória de muita gente, o que
significa que o passado não é mais como era antigamente. Para muitos Capital
Inicial e Ira – e talvez os Titãs – podem justificadamente ser consideradas
como bandas dos anos 90-00, pois foi no fim dessa década ou na virada do século
que alcançaram maior popularidade (acústica). Tudo depende de qual história
você quer contar. Nos anos 80 algumas bandas de pouca vendagem, mas da qual
faziam parte jornalistas especializados em rock, costumavam ganhar os
principais prêmios da crítica. Imagino que alguns dele já devem ter rascunhado
algo como “A verdadeira história do rock brasileiro” em que são protagonistas. Nesse
sentido os anos 80 não acabaram e continuam (e continuarão) sendo reinventados.
- A Legião Urbana não teve muitas
músicas censuradas, talvez por começar a aparecer já mais próximo ao final do
regime, durante o governo de Figueiredo. Mesmo assim, você acredita que as
letras da Legião Urbana e de outras bandas de rock eram mais agressivas ao
regime do que as censuradas de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, por
exemplo?
Acho que
não cabe comparação porque o momento era bem diferente e os interesses e
possibilidades também. Comparando a Legião com a Legião, as letras do Aborto
Elétrico (que apareceram em Que País é Este) são efetivamente mais violentas, porém
uma violência mais (auto)destrutiva e niilista do que revolucionária.
- Por que a escolha pelas músicas
da Legião Urbana? A banda fez parte da sua vida de alguma forma?
A Legião
Urbana sempre me intrigou de uma forma que não sei explicar e é melhor não
tentar fazê-lo. É um tipo de obcessão que ajudou a formar minha identidade e
fazia parte daquilo que era motivo de longas conversas com amigos na busca
adolescente por sentido. Este livro que escrevi sobre a Legião não deve ser
visto com uma tentativa de simplificar seu significado propondo uma
interpretação final, mas uma tentativa de multiplicar sentidos, promover
diálogo e debate. Como sou filósofo, pensei com a Legião, principalmente com as
letras de Renato Russo e sua tentativa de articular uma esperança para o país
que repercutia em quem se identificava com suas palavras.
- Você vê conotação política ou
filosófica nas canções compostas na última década aqui no Brasil?
Com
certeza existe conotação e denotação, mas política nós devemos fazer
primordialmente não com canções e nem somente com o voto. Já quando se pensa em
termos de filosofia a coisa é um pouco mais complicada porque compositores
podem citar filósofos (até mesmo de modo errado) e slogans filosóficos, buscar
inspiração conceitual em Nietzsche ou musicar O mundo de Sofia ou descartar
tudo isso e qualquer pretensão deste tipo. O trabalho de avaliar estas relações
diretas ou indiretas ou inconscientes ou inconsistentes é de alguém que tenha a
petulância e ingenuidade de reivindicar o nome de filósofo. Pra fazer esta reivindicação
de modo mais convincente é preciso ter alguma formação técnica (ainda que para
criticar e esquecer está técnica). É preciso promover relações e encontros;
correr este risco.
Mas para não me desviar tanto da tentativa de dar uma resposta para sua questão, posso dizer que continua existindo mercado para um tipo de canção que tanta representar/pensar o país, como diz Lenine, fazendo uma crônica de sue tempo. Com certeza não há mais a mesma repercussão que existia em outros momentos da história, por exemplo, quando a Ditadura Militar permitia a coesão de discurso contra um Grande Outro que não era de forma alguma imaginário. Hoje temos mais possibilidades de discurso e reivindicações diversas, a dificuldade esta em buscar um tipo de identificação não demagógica que se dê pela cidadania através da música. Misturar estética e política é correr o risco de alimentar tendências totalitárias: é só pensar no “fascismo” das canções que exaltam candidatos em tempos eleitorais, da força de mobilização dos hinos nas igrejas ou da Internacional Comunista ou do Hino Nazista (“Viktoria Sieg Heil”).
- No blog, você fala da música
popular brasileira como parte da formação da identidade de alunos do Ensino
Médio. Que influência teve a música dos anos 80 nessa formação, e como o
cenário musical de hoje interfere nessa formação de identidade?
Como
explica Hobsbawn, a partir da década de 60 os adolescentes passaram a formar
sua identidade não mais através de livros considerados sagrados, mas de
produtos feitos para consumo de massa, canções, filmes, moda, televisão etc. O
rock brasileiro dos anos 80 faz parte dessa transição, mas com a especificidade
de poder questionar de forma mais despudorada os costumes (e com isso
modificá-los). Essa forma mais irônica de abordar os costumes aparece, por
exemplo, em grupos de teatro, programas de televisão, uma possível modificação
do humor (estou especulando agora, não tenho condições de adensar estas
insinuações).
- Onde encontramos o seu livro
para comprar?
É
possível comprar diretamente com a editora Mercado de Letras e nas principais
livrarias on line (coloquei uma lista
de links aqui http://ensaioslegionarios.blogspot.com.br/p/onde-comprar.html). Nas lojas físicas da Livraria
Cultura você pode encontrar (ou encomendar).
Fonte:http://blogfilhosdarevolucao.wordpress.com/2013/05/31/os-anos-80-nao-acabaram-e-continuam-e-continuarao-sendo-reiventados-diz-autor-de-livro-sobre-as-cancoes-da-legiao-urbana/